Indústria está passando por desafios mercadológicos e ajustes em seus modelos de negócios. Tal cenário não pode ser classificado de maneira simplista como uma “crise na indústria do hidrogênio”. Entender o cenário atual pode ser útil para escolha de estratégias de sucesso no médio prazo.
Desde o início do ano de 2020, o Brasil vivencia um crescimento significativo no interesse e no desenvolvimento do mercado hidrogênio de baixo carbono. Esta movimentação é impulsionada, pela abundância de recursos energéticos naturais que posicionam o país como um potencial líder na produção de energia renovável.
A União Europeia se apresenta como principal “comprador” do Hidrogênio de Baixo Carbono Brasileiro. Com metas ambiciosas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e atingir a neutralidade de carbono até 2050, os europeus entendem que investir em hidrogênio de baixo carbono produzido no Brasil ajuda o velho continente a garantir um suprimento estável e sustentável deste combustível, contribuindo para a transição energética e a redução da dependência de combustíveis fósseis.
Entretanto, passados 05 anos do que alguns analistas chamam de “O Hype do Hidrogênio” algumas notícias indicam que determinados projetos estão em um processo de reavaliação estratégica, enquanto novos empreendimentos são anunciados com previsões e metas ambiciosas. Tal cenário, tem deixado uma grande pergunta entre os agentes que integram este mercado:
A Indústria de Hidrogênio de Baixo Carbono estaria em Crise ?
A resposta para este ponto não é simples e, vamos expor algumas questões que merecem destaque com o objetivo de contextualizar o atual cenário em diferentes regiões do globo que nos conduzirão a uma análise conclusiva das oportunidades existentes no Brasil.
Cenário na Europa:
Mesmo com abundantes incentivos da União Europeia, estudos indicam que os projetos de Hidrogênio de Baixo Carbono do velho continente ainda apresentam um LCOH ( Levelized Cost of Hydrogen ) de EUR 4,48 /Kg no limite superior da análise de sensibilidade, provocando diversas barreiras para que compradores firmem contratos de logo prazo com novos produtores de Hidrogênio.
Recentemente, o governo alemão atribuiu a falta de competitividade do Hidrogênio Europeu às rigidez dos Marcos Regulatórios estabelecidos pela União Europeia. Na argumentação Alemã, critérios como adicionalidade, correlação temporal e correlação geográfica aumentam os custos de produção de Hidrogênio no velho continente, afasta investidores e gera adiamentos em projetos essenciais.
Um contraponto importante no continente Europeu é o Reino Unido, que por não integrar o Bloco Econômico da União Europeia, tem desenvolvido estratégias específicas para as suas demandas de descarbonização, com destaque para projetos voltados para Agricultura Sustentável e Parcerias Estratégicas Internacionais que incluem o Brasil.
Cenário nos EUA:
Aprovada em agosto de 2022, a Lei da Redução da Inflação (IRA na sigla em inglês) é um pacote de investimentos do governo dos Estados Unidos voltados para descarbonização da sua economia, com foco em projetos e iniciativas relacionadas à redução das emissões de gases de efeito estufa, adaptação e resiliência aos impactos das mudanças climáticas etc.
Com uma previsão de subsídios de até USD 3,00/ Kg de Hidrogênio de Baixo Carbono produzido em solo americano, havia forte expectativa de que estes incentivos colocassem os EUA como líderes da Indústria Global de Hidrogênio.
Entretanto, as tão esperadas regras para os créditos fiscais previstas na Lei de Redução da Inflação (IRA), foram publicadas a apenas três semanas da posse do novo presidente eleito em novembro de 2024.
A posse do Republicano Donald Trump, em janeiro de 2025, para exercer um segundo mandato como Presidente dos Estados Unidos, tem gerado uma série de dúvidas e incertezas sobre a futura política ambiental do país. As conhecidas posições do Presidente Eleito, contrárias às políticas globais de mitigação do aquecimento global, tem sido a razão destas dúvidas e incertezas.
Cenário na China e Índia:
Por meio da iniciativa National Green Hydrogen Mission a Índia está caminhando fortemente para ser uma referência global no setor de Hidrogênio de Baixo Carbono. Os investimentos iniciais chegam a montantes de USD 2,0 Bilhões conforme dados da Green Hydrogen Organisation.
A meta da Índia é produzir 5,0 Milhões de Toneladas métricas de Hidrogênio de Baixo Carbono anualmente até 2030, agregando 125 GW de Geração de Energia Renovável. Adicionalmente há um esforço do país para o desenvolvimento e produção local de eletrolisadores e outros equipamentos indispensáveis para esta indústria, o que permitirá ao paísavançar com seus planos com reduzida dependência externa.
Já a China concentra hoje cerca de 60% da capacidade de produção mundial de eletrolisadores, se destacando como principal fornecedor de equipamentos para a Indústria nascente do Hidrogênio de Baixo Carbono.
O país lidera não somente a produção, como também tem domínio tecnológico e automação de processos produtivos industriais, fatores estes que permitem ao país fornecer ao mundo eletrolisadores a custos mais baixos do que seus concorrentes europeus e norte-americanos.
O cenário na China é tão agressivo que, segundo análise de um pesquisador da South China University of Technology, o mercado chinês vive uma turbulência por excesso de recursos que, em 2024, provocaram insolvência em algumas empresas e levantaram questões sobre a sustentabilidade do modelo de negócios na Indústria de Hidrogênio da China.
Cenário no Brasil:
Se, no início desta jornada, a falta de um marco regulatório brasileiro era apontada como o grande “entrave” para impulsionar o mercado, esta questão foi superada com a promulgação de duas leis que versam sobre o Mercado Brasileiro de Hidrogênio de Baixo Carbono, a saber:
- Lei 14.948 de 02 de agosto de 2024 que Institui o Marco Legal do Hidrogênio de Baixo Carbono
- Lei 14.990 de 27 de setembro de 2024 que Institui o Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono
Enquanto a Lei 14.990 estabelece Programas de Incentivos Fiscais para empreendimentos de produção de Hidrogênio de Baixo Carbono, a redação da Lei 14.948 sinalizou claramente que o Brasil adotará a Neutralidade Tecnológica e Valorização das Múltiplas Vocações Econômicas Nacionais.
Isto significa que além da produção do Hidrogênio de Baixo Carbono pela Rota da Eletrólise, a legislação brasileira considerou outras Rotas Tecnológicas como a Rota do Etanol, a Rota do Biogás / Biometano, a Rota da Recuperação Energética de Resíduos Sólidos etc.
A Valorização das Vocações Regionais na Transição Energética Brasileira ficou evidente em outras leis, voltadas para Bioenergia, aprovadas em 2024 pelo Congresso Nacional, consolidando recursos renováveis como Biomassa, Biogás, Biometano e Biocombustíveis entre as relevantes fontes energéticas para o Brasil.
Em conjunto com os esforços do Congresso Nacional, o Ministério de Minas e Energia coordena o Programa Nacional de Hidrogênio (PNH2), com uma abordagem multidisciplinar, reunindo representantes dos Setores de Governo, Instituições Acadêmicas, Setor Produtivo e Associações que representam o diversos Setores Econômicos.
Há que se destacar a importância dos estudos estratégicos elaborados pela Empresa de Pesquisa Energética, com destaque para um recente documento apresentando análise para Margens do Sistema de Transmissão da Região Nordeste para Conexão de Cargas de Produção de Hidrogênio.
Também cabe registrar os significativos volumes de recursos públicos, disponibilizados para Projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação, com destaques para os Chamada Pública Conjunta da FINEP e BNDES e da Chamada Estratégica do MME e outras iniciativas voltadas para o desenvolvimento tecnológico nacional.
Análise Conclusiva:
Como em qualquer Indústria Nascente, o Hidrogênio de Baixo Carbono enfrenta um dilema de demanda, a velha metáfora do ovo e da galinha, com produtores e consumidores aguardando os movimentos uns dos outros para tomarem suas próprias decisões.
O posicionamento dos Estados Unidos, é a grande questão que diversos analistas tentam prever. Em meados de janeiro de 2025, o país passa a ser governado pelo Republicano Donald Trump que tem manifestado publicamente posições contrárias às ações de mitigação climática.
Entretanto, a posição sua ideológica pode deixar espaço livre para a China, que já lidera 60% da capacidade global de eletrolisadores, dominar integralmente este mercado, assumindo a posição de grande fornecedor de produtos, equipamentos e tecnologias para a indústria do Hidrogênio de Baixo Carbono.
Por esta razão, alguns analistas afirmam que ainda é cedo para prever se o segundo governo de Donald Trump vai abolir completamente os benefícios a Lei de Redução da Inflação (IRA) ou promoverá ajustes para que a Indústria Americana tente frear esta expansão da China no mercado de equipamentos, produtos e soluções para a Indústria de Hidrogênio de Baixo Carbono.
A Europa vive um grande dilema, não consegue produzir o volume suficiente de Hidrogênio de Baixo Carbono necessário para descarbonizar seu parque industrial, sua complexidade regulatória usada para “caracterizar” o Hidrogênio como “verde” é considerada restritiva e inflexível para se alcançar preços competitivos. Além disso os sistemas de transporte e/ou infraestrutura para levar este Hidrogênio até o consumidor europeu ainda sofrem com atrasos, suspensões e/ou reprogramações.
Adicionalmente, a European Court of Auditors , o que equivale ao Tribunal de Contas da União Europeia, alertou que o financiamento público europeu estimado pelos auditores em EUR 18 Bilhões para o período de 2021-2027 está disperso em várias iniciativas que não convergem para uma estratégia global de importação de Hidrogênio de Baixo Carbono para a União Europeia, além de não existir uma razoabilidade entre os incentivos para produção e utilização do Hidrogênio Renovável.
Por sua vez, China e Índia avançam com seus planejamentos estratégicos, uma vez que são países em desenvolvimento e ainda passarão por uma forte expansão industrial visando atender a demanda interna crescente impulsionada por uma população que somadas (China e Índia) chegam a quase 3 Bilhões de pessoas.
O governo chinês anunciou diversas políticas de incentivo, como subsídios e isenções fiscais, para acelerar o desenvolvimento da infraestrutura de hidrogênio. Grandes projetos incluem hubs de hidrogênio em regiões como Hebei, Mongólia Interior e Xinjiang.
Províncias Indianas como Gujarat, Tamil Nadu e Rajasthan estão na vanguarda da produção de hidrogênio, aproveitando suas capacidades renováveis. Grandes conglomerados, como Reliance Industries, Adani Group e NTPC, estão investindo pesadamente em projetos de hidrogênio verde, buscando posicionar o país como um hub de exportação de hidrogênio de baixo carbono para mercados europeus e asiáticos, explorando sua posição estratégica no comércio global.
No Brasil, anúncio dos primeiros projetos ocorreram no Porto do PECEM no Ceará (CE), seguidos por anúncios no Portos de SUAPE em Pernambuco (PE) e no Porto do AÇU no Rio de Janeiro (RJ). Em seguida uma intensa articulação política para aprovação do Marco Regulatório do Hidrogênio de Baixo Carbono e do Programa de Concessão de Créditos Fiscais para os primeiros Projetos anunciados.
O princípio da Neutralidade Tecnológica e Valorização das Múltiplas Vocações Econômicas Nacionais, adotado na Legislação Brasileira, impulsionou projetos inovadores como a Primeira Planta do Mundo de Conversão de Hidrogênio a partir do Etanol no estado de São Paulo e três importantes Projetos de Produção de Sustainable Aviation Fuel , focados em Rotas Biológicas, que juntos tem potencial de suprir 40% da demanda doméstica segundo estudo divulgado pela Empresa de Pesquisa Energética.
A estratégia brasileira, tem se mostrado muito assertiva uma vez que explora todo o Potencial Bioenergético Nacional, desenvolvendo o Mercado Doméstico e mitigando, no curto prazo, a exposição ao risco de dependência tecnológica de produtos e equipamentos de eletrólise que são produzidos, majoritariamente, na China.
Em uma visão de médio prazo e longo prazo, é importante para o Brasil fomentar o Desenvolvimento Tecnológico Nacional de equipamentos e soluções tanto para Rota da Eletrólise como Rotas Biológicas e avançar com o Plano de Descarbonização da Indústria Nacional, proposto pela Confederação Nacional da Indústria – CNI gerando demanda local para o Hidrogênio de Baixo Carbono aqui produzido.
Em um mundo acostumado com os “cliques instantâneos” do universo digital, pode parecer que a Indústria do Hidrogênio de Baixo Carbono está “congelada” e andando a passos muitos lentos.
Para os que pensam assim, é importante observar que a implementação de uma Indústria tão complexa como esta demanda tempo e que aspectos como a Geopolítica e a Economia Global pesam nas decisões e movimentações que estão sob o controle dos grandes Players Mundiais.
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Elaborado por Frederico Freitas
O conteúdo aqui postado é apenas para fins informativos e compartilhamento de conhecimento profissional. Se busca informações para desenvolver projetos de sustentabilidade energética ou de qualquer outra natureza, é indispensável a contratação de profissionais habilitados capazes de entender pontos específicos do seu projeto e propor a solução adequada.